segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Prática Ética da Pesquisa

Material preparado pelo Prof. Carlos Quandt para a Disciplina de Métodos de Pesquisa em Administração -  PUCPR 2010


Antes de iniciar qualquer projeto de pesquisa, o pesquisador deve se familiarizar com os fatores e práticas envolvidas com a ética da pesquisa. A preocupação central é proteger os sujeitos de danos físicos e psicológicos, e velar para que seus direitos não sejam violados. A prática ética da pesquisa visa também assegurar a adoção de metodologia adequada para embasar os resultados, conclusões e recomendações da pesquisa.
A prática ética da pesquisa concentra-se na importância da adoção de práticas e procedimentos que levam a: 1) proteção dos sujeitos, humanos e não humanos; 2) utilização de metodologia apropriada; 3) obtenção de inferências, conclusões e recomendações baseadas em descobertas reais; e 4) desenvolvimento de um relato completo e preciso da pesquisa.
A utilização de procedimentos éticos na pesquisa apresenta algumas vantagens evidentes:  O patrocinador da pesquisa terá mais segurança de que o processo será conduzido de maneira correta e confiável, haverá mais facilidade na obtenção de recursos e na publicação dos resultados, a reputação do pesquisador será preservada, e este contribuirá para a disseminação e implantação de diretrizes organizacionais para a prática ética. Entre as desvantagens, podemos citar dificuldades operacionais e o tempo dispendido para obter o consentimento dos sujeitos e completar os procedimentos necessários. Em alguns casos, a pesquisa pode se tornar inviável caso muitos sujeitos se recusem a assinar os formulários de consentimento e, consequentemente, não participem do projeto.

Práticas éticas

As práticas éticas mais violadas são sete: (1) consentimento com liberdade; (2) consentimento esclarecido; (3) confidencialidade; (4) privacidade; (5) anonimato; (6) metodologia apropriada e (7) comunicação adequada e completa da pesquisa.

1. O direito a consentir com liberdade

O participante potencial tem o direito de não ser pressionado para participar do projeto de pesquisa. Como em qualquer consideração ética, às vezes é difícil determinar o que é, e o que não é uma pressão. Por exemplo, freqüentemente são incluídos junto com os questionários, brindes para aumentar a probabilidade do destinatário responder. Isto é pressão? A maioria das pessoas diriam que não, mas estas práticas poderiam ser interpretadas como táticas de pressão. Outro caso específico é a pesquisa com grupos de pessoas subordinadas a uma autoridade, como empregados, estudantes, soldados, prisioneiros, etc., que pode gerar preocupações quanto a possíveis táticas de pressão para que esses sujeitos participem.

2. O direito a consentir depois de bem informado

Os potenciais participantes da pesquisa devem receber informações suficientes para tomar uma decisão consciente (ou “esclarecida”) com relação a sua participação ou não participação. Ainda que seja necessário o consentimento depois de bem informado, pode ser difícil para o participante potencial consentir com convicção, porque em muitos casos, as pessoas não têm conhecimento suficiente do processo de pesquisa para tomar uma decisão “com convicção”.  Embora os casos de pesquisa que podem ser fisicamente prejudiciais sejam raros, a possibilidade de prejuízo psicológico é bastante comum, quando existe o potencial de submeter os participantes a situações constrangedoras ou vexatórias. Convém destacar que, para certos projetos de pesquisa, informar aos participantes potenciais da natureza da pesquisa comprometeria os resultados. Em tais casos, o pesquisador é obrigado a revelar às pessoas tanto quanto possível sem comprometer os dados, e oferecer aos participantes potenciais um relatório da pesquisa depois da conclusão do projeto.  Em qualquer caso, o consentimento deve ser obtido diretamente das pessoas que participarão da pesquisa. No caso de pesquisas com crianças ou adultos incapacitados, o TCLE (termo de consentimento livre e esclarecido) deverá ser assinado pelos pais ou responsáveis. O TCLE é essencial para qualquer projeto no qual o sujeito será manipulado fisicamente ou psicologicamente.

3. O direito à confidencialidade

O participante da pesquisa tem o direito de esperar que o pesquisador irá limitar o acesso às informações obtidas a seu respeito, e manter a segurança dessas informações. No caso de pesquisas com empresas, os participantes da pesquisa geralmente estão envolvidos com a confidencialidade dos dados. Quem irá manusear e ler as informações? Serão adotadas medidas de segurança para garantir que as informações identificáveis sejam mantidas em sigilo até que possam ser descartadas, devolvidas ou destruidas? Serão feitas cópias? O pesquisador é responsável por minimizar o número de pessoas que terão acesso às informações identificáveis; deverá desenvolver procedimentos de segurança para o manuseio e armazenamento de informações, e devolvê-las ou destruí-las quando não forem mais necessárias.

4. O direito à privacidade

Os participantes da pesquisa têm o direito de não fornecer informações que possam lhes causar algum incômodo ou constrangimento. A noção de privacidade pode variar muito. Por exemplo, pode ser considerada privada qualquer informação sobre renda pessoal, atividades ou preferências sexuais, crenças religiosas, uso de bebida ou drogas. Outros podem considerar como invasão de privacidade questões aparentemente inócuas, como informações sobre idade, peso, hábitos alimentares ou estado civil. Recomenda-se que os participantes potenciais sejam informados sobre o tipo de informação solicitada, caso haja a possibilidade de resistência pessoal quanto ao que será perguntado. Questões potencialmente sensíveis devem ser evitadas, a menos que sejam absolutamente necessárias e pertinentes aos objetivos do projeto de pesquisa. Essas precauções ajudarão a evitar a invasão de privacidade e possíveis perdas de participantes.

5. O direito ao anonimato

O participante da pesquisa tem o direito de esperar de que o pesquisador não irá permitir a identificação de dados específicos de um indivíduo específico. O anonimato é relativamente fácil de assegurar quando os relatórios da pesquisa estão baseados em dados agregados de grupos ao invés de análises focadas em indivíduos. Uma recomendação básica para assegurar o anonimato é a identificação dos sujeitos em questionários e formulários por meio de números em lugar de nomes.

6. Metodologia apropriada

O pesquisador tem a obrigação de conduzir as suas pesquisas, sistemática e objetivamente, utilizando procedimentos metodológicos adequados ao projeto e seus objetivos, aplicando tantos controles quantos forem viáveis. Por pesquisa sistemática e objetiva, entende-se que ela utiliza procedimentos específicos pre-planejados no processo de pesquisa, e que os procedimentos e descobertas não serão influenciados ou alterados pelos sentimentos, valores ou crenças do pesquisador.

7. Comunicação adequada e completa da pesquisa

O pesquisador tem a obrigação de relatar sua metodologia de pesquisa, descobertas e conclusões de maneira completa e imparcial. Isto inclui informar aspectos negativos, tanto referentes às descobertas e possíveis erros ou limitações nos procedimentos adotados. O relatório de pesquisa deve conter uma descrição completa do delineamento da pesquisa, as questões de pesquisa ou hipóteses, métodos de amostragem, métodos de coleta de dados, instrumentos utilizados, e a validade e confiabilidade dos métodos e testes estatísticos utilizados. O relatório deve ser completo, mas tão conciso quanto possível. Deve informar o necessário para que o leitor possa entender exatamente aquilo que foi feito, como foi feito, o que foi descoberto, e como o estudo pode ser reproduzido.

Lista de verificação para evitar práticas com falta de ética

Para evitar a violação do consentimento livre e bem informado:
1.     Obtenha o consentimento livre e bem informado. O TCLE deve ser assinado pelos participantes ou pelos pais/responsáveis de menores ou incapazes.

Para evitar a violação de confidencialidade, privacidade e anonimato:
2.     Assegure, por escrito, aos potenciais participantes da pesquisa, sobre a confidencialidade, privacidade e anonimato.
3.     Mantenha segurança sobre informações identificáveis utilizando arquivos protegidos e procedimentos como fechaduras físicas ou senhas eletrônicas.
4.     Devolva a informação ao participante ou descarte-a com segurança, quando não for mais necessária.
5.     Limite o número de pessoas que terão acesso à informação.

Para evitar o mau uso de estatísticas:
6.     Determine o nível de medida apropriado para cada variável e utilize as técnicas estatísticas correspondentes.
7.     Confira as suposições e exigências dos testes estatísticos; se tiver dúvidas, peça a uma pessoa experiente para examinar a análise.
8.     Não utilize uma análise complexa, sofisticada, se puder fazê-la com uma mais simples.
9.     Não seja super-preciso sobre dados imprecisos.

Para evitar a omissão de possíveis falhas metodológicas e descobertas negativas:
10.   Relate totalmente cada um dos aspectos da pesquisa, inclusive os métodos de amostragem e coleta de dados, e a instrumentação.
11.   Relate todos os resultados alcançados, mesmo aquele que poderiam ser considerados negativos.

Para evitar descobertas e conclusões enganosos:
12.   Nunca distorça as descobertas ou conclusões para fazê-las parecer mais positivas ou negativas, maiores ou menores, do que o garantido pelos dados.


Referência básica:

SPROUL, Natalie L. Handbook of Research Methods: A Guide for Practitioners and Students in the Social Sciences. The Scarecrow Press, 1988.

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