sexta-feira, 23 de março de 2012

Lei de Acesso à Informação – é importante, mas vai “pegar”?

Quis a história que fosse a presidente Dilma Rousseff – com seu passado de militância política, onde o tema tem fundamental importância – a promulgar a Lei nº 12.527/2011, que entra em vigor em 16 de maio de 2012. Esta Lei regulamenta o que já é um direito constitucional dos cidadãos - o acesso às informações públicas. Sua aprovação é o desfecho de um processo longo e tortuoso, que contou com a mobilização de interesses internos e de entidades internacionais.

A Lei de Acesso à Informação não trata de tecnologia, mas, sim, de informação. No entanto, os desafios de governança de tecnologia e de governança de informação que o texto propõe, explícita e implicitamente, fazem prever que haverá uma grande movimentação nas estruturas de informática governamental. Em linhas gerais, a Lei permite que qualquer pessoa possa solicitar aos órgãos públicos informações do seu interesse. Poderá fazê-lo pessoalmente, por carta ou e-mail, e não precisa explicar o motivo da solicitação ou que uso fará da informação. A Lei é aplicável à União, aos Estados e Municípios, a todos os poderes, às autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista. Em poucas palavras, toda a estrutura pública deve obedecê-la. Se a informação não for classificada como sigilosa, os órgãos terão vinte dias, prorrogáveis por mais dez, para responder ao pedido de informação, ou para negá-lo por escrito, justificando o motivo. Neste caso, ainda cabe recurso à instância superior. O servidor que se recusar a prestar a informação, retardar o acesso ou deliberadamente fornecer dados incorretos, ou incompletos, estará sujeito a punição.

É uma revolução, uma radicalização da Democracia, mas já aconteceu em dezenas de outros países. Chegou ao Brasil com décadas de atraso. E estamos tão despreparados quanto estavam esses outros países, à época que a implementaram. Um diagnóstico sobre a cultura de acesso à informação pública no Executivo federal brasileiro, elaborado pela Unesco e pela CGU - Controladoria Geral da União, sob coordenação do Prof. Roberto DaMatta, comprova o que já intuíamos - há grandes contrastes no país. Há órgãos federais que possuem sistemas informatizados, controles de estatísticas de atendimento, gestão eletrônica de documentos, gestão informatizada de processos, diversos canais de atendimento ao público, capacidade para fornecer informações por meio eletrônico e cópias digitalizadas de processos. No outro extremo, há órgãos que ainda estão se esforçando para conseguir acompanhar o fluxo entre a solicitação e a resposta, sem um sistema informatizado de registro e monitoramento. Se pensarmos em grandes municípios, e nos pequenos, estes contrastes se acentuam, pendendo para o lado dos que não conseguirão atender às solicitações por falta de estrutura.

As barreiras contra a Lei de Acesso à Informação são enormes. Uma, cultural, é a “cultura do segredo”, do proibido, do escondido. Essa “cultura do segredo” é consequência da herança autoritária da história política brasileira, que ainda passeia bem à vontade em muitos corredores de governo. Outra barreira é organizacional – adequar a estrutura e treinar os funcionários para atender à demanda de informação. E há as barreiras de governança de tecnologia de informação, nas quais queremos pôr o foco.

Na comunicação com a sociedade, trata-se de abrir ou ampliar canais eletrônicos de acesso à informação. Os setores organizados, os grupos de poder, esses já conseguem as informações governamentais que porventura precisem. Trata-se de abrir essa possibilidade para todos, usando a tecnologia disponível: internet, telefonia fixa e móvel, e-mail, e mesmo as mídias sociais. Devem ser vários os canais de recepção de solicitações e envio de respostas, mas com um fluxo único informatizado de acompanhamento e tratamento. Além do sistema em si, é preciso reorganizar processos, redesenhá-los, e monitorá-los continuamente, para impedir a degeneração que acontece comumente. Em relação à gestão de documentos, o problema não se esgota na sua digitalização, que é a grande ênfase dada à gestão documental no governo brasileiro. Há que tratar arquivos de documentos, e arquivos eletrônicos. Há que classificar as informações existentes, e proteger as sigilosas. Desenvolver mecanismos inteligentes de busca e organização das informações e, ao mesmo tempo, garantir sua segurança e privacidade. A integração entre órgãos públicos é outro grande obstáculo, também resquício da “cultura do segredo” e da disputa de poder. Padrões de compartilhamento exigem competência técnica na sua definição, mas principalmente disciplina e obediência a regras, tanto para serem promulgados, quanto para serem utilizados ao longo do tempo. Os contrastes também são o pano de fundo do assunto bancos de dados, metadados e gestão de dados. Algumas instituições possuem gestão profissional de dados e de banco de dados, outras sequer sabem quais os dados de que dispõem. Muito menos em que formato estão armazenados, com que restrições de acesso, e que informações podem ser geradas a partir deles. Os governos vão descobrir os problemas quando estiverem atendendo às solicitações.

Transparência pró-ativa, é como o governo chama a oferta de sites bem desenhados e amigáveis ao cidadão, que mostrem informações pré-formatadas e com calendário conhecido de publicação. Os órgãos podem e devem oferecer as respostas que já sabem serem úteis, sem esperar as perguntas da sociedade, para aliviar o excesso de demandas por informações e dados. São sites a serem construídos sobre o acervo de informações governamental, obtido no exercício da missão institucional de cada órgão. Mas também, à medida que as solicitações chegarem, a base de informações pode ser ampliada com novas formatações. Este foi o exemplo da Open Gov Initiative, parte da política de Open-Government instituída no primeiro dia do governo do atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, de um sucesso inspirador. Espera-se que também haja, em nosso país, arquivos de dados em formato aberto, sem tratamento. Esses arquivos formam um importante ativo econômico público que deve ser potencializado para gerar novos negócios, emprego e renda.

Infraestrutura, revisão de processos, processos informatizados, equipamentos, novos sites, atendimento ao cidadão, treinamento de funcionários, tudo custa dinheiro. E dinheiro, em governo, chama-se orçamento aprovado e pagamento autorizado. A CGU está desempenhando um excelente papel, de aliado do cidadão, à frente da matéria. Mas vale a lembrança de que a governança de tecnologia, e da informação, é assunto a ser resolvido pelas estruturas de governança eletrônica, tendo no Controle um importante parceiro.

Como outras leis, o cidadão quer ver se esta vai “pegar”. É relevante, é necessária, e precisa “pegar”, mas talvez leve anos. Informação é poder, e o poder não troca de mãos placidamente pela promulgação de uma lei. Poder se disputa e se conquista. Como cidadãos, devemos exigir o cumprimento da nova Lei. Como sociedade, fazer uso destes ativos econômicos. Como funcionários públicos, cooperar para a mudança. A presidente Dilma, como a principal servidora pública, já lidera o movimento. Como profissionais de TI, devemos trabalhar para viabilizar os mecanismos de acesso. Assim, a Lei deve “pegar”.

Maria Alexandra Cunha é professora da PUC-Paraná e consultora associada da BRISA. alexandra.cunha@pucpr.br
Solon Lemos Pinto é Vice-Presidente da BRISA
solon.pinto@brisa.org.com

terça-feira, 6 de março de 2012

Mídias Sociais – vai o governo perder o bonde da tecnologia, outra vez?

A Luísa voltou do Canadá! Uma ilustre desconhecida é elevada à condição de tópico mais discutido do Twitter. Uma enfermeira tortura e mata seu cachorro, na presença do filho, e as imagens do Youtube fazem a indignação tomar conta do país pelo Facebook. O Supremo Tribunal Federal sofre pressão da população para julgar o processo do mensalão.

Mídias sociais, como o Twitter, Orkut e o Facebook, fazem mais sucesso entre os internautas brasileiros do que em outros países. Estimativas do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI) indicam que 70% dos internautas brasileiros urbanos e 63% dos que habitam em área rural usam mídias sociais. O Brasil tem, além disso, mais de 200 milhões de telefones celulares, grande parte dos quais se encontra nas mãos das classes C e D. Indicadores como estes, aliados às oportunidades que a tecnologia oferece para turbinar campanhas eleitorais – na esteira do bem conhecido sucesso da campanha de Obama com a Web 2.0, em 2008 – nos permitem antever que este ano a tecnologia será usada como nunca por políticos brasileiros nas eleições municipais.

Mas as mídias sociais não estão aí apenas para que candidatos ganhem eleições. Sejam quais forem os vencedores, existem grandes desafios a serem enfrentados pelos governos. É necessária uma atitude pró-ativa em relação aos milhões de pessoas que já utilizam plataformas móveis no país. Há uma classe economicamente emergente que passa a ter acesso às facilidades de comunicação, os custos dos aparelhos estão caindo e há expectativa da população de que o mesmo aconteça com os custos de comunicação. Então, é preciso aumentar a participação dos cidadãos em todas as etapas de políticas públicas, ampliando a prática democrática. É preciso avançar na universalização dos serviços, considerando as possibilidades das mídias sociais. E, nas práticas de governança de Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC, os governos têm que extrair mais valor dos investimentos para aproveitar as oportunidades das mídias sociais.

No tocante ao primeiro desses desafios, aumentar a participação dos cidadãos, a boa notícia é que, se o governo não o fizer de maneira pró-ativa, terá que fazê-lo como resposta à população. O movimento pelo julgamento do “mensalão” é um bom exemplo no Poder Judiciário, tradicionalmente à margem de manifestações populares. Em Portugal, grande manifestação e greve geral foram convocadas pelas mídias sociais, curiosamente utilizando como chamada a música “Ai, não nos calam”, uma paródia do hit de Michel Teló. Os governos terão que enfrentar as mídias sociais, utilizando-as ou não! A comunicação com algumas camadas da população, inclusive, deve ser feita preferencialmente por estes canais, pois há uma tendência de que esta venha a ser a primeira forma de comunicação entre os jovens. Alguns governos, como o governo de Minas Gerais, já experimentam estas tecnologias. Afinal, experimentá-las, conhecê-las e utilizá-las adequadamente, é uma melhor estratégia do que ser atropelado por elas.

A participação do cidadão não é uma concessão de um governo por um ou dois mandatos; ela é um direito e deve ser incentivada. E, para participar, o cidadão deve ter diferentes canais à disposição, de forma a reduzir restrições de mobilidade, de acesso, de exposição. A participação deve contar com mecanismos tradicionais e com tecnologia em múltiplos canais, integrados entre si. As políticas de tecnologia necessárias para criar essas condições certamente estarão expressas nos programas de alguns candidatos municipais. Resta saber de que forma serão implementadas depois das eleições. Será que os governantes recém-eleitos saberão colocar a serviço do cidadão as mesmas tecnologias tão bem empregadas em suas campanhas?

O segundo desafio, a universalização dos serviços, é garantir que todos os cidadãos tenham acesso aos serviços públicos, no canal que lhes for mais conveniente. O país precisa eliminar a brecha digital diagnosticada pelas pesquisas do CGI. Muitas pessoas não têm acesso à Internet nos domicílios por não terem condições de pagar pelo acesso (74%), por não verem nisso uma necessidade (38%) ou por falta de habilidades necessárias para fazê-lo (26%). Se de um lado alguns serviços públicos podem ser acessados a partir de dispositivos mais populares, como o telefone celular, de outro, a internet pelo celular, que não para de crescer em outros países, por aqui está estagnada há anos, porque mais de 80% dos celulares brasileiros são pré-pagos, segundo a Anatel. As mídias sociais exigem facilidades de comunicação para uma população em movimento, e grande parte dos brasileiros tem nas mãos um celular. Mas não há comunicação de qualidade e a custo acessível para todos. O caminho: uma política de regulação mais agressiva, que considere mais as necessidades do cidadão e menos os interesses das operadoras de telecom.

Por último, ser mais assertivo nas práticas de governança de TIC significa estabelecer, ou ampliar, práticas que garantam que a tecnologia esteja alinhada aos objetivos de governo e às expectativas da população. Para as “informáticas”, significa gerenciar melhor, comprar melhor, relacionar-se melhor com as áreas de governo e com a gestão pública, e garantir o uso inovador das tecnologias como mídias sociais. Não existem indicadores de uso de tecnologia no setor público, mas é fato que ele está menos evoluído do que nas empresas. A pesquisa anual sobre o Uso de TI, da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, mostra que cerca de 7% do faturamento líquido de médias e grandes empresas brasileiras é utilizado em investimentos e gastos com informática. Uma olhada rápida a qualquer atendimento ao cidadão permite concluir que, com honrosas exceções, a relação não é a mesma para governos no Brasil, mesmo os de médio e grande portes. Para os governos, assumir que Governança dos recursos de TI e de informação é matéria de Estado, não é trivial. Os desafios são todos os da iniciativa privada, e outros tantos, mas a tarefa não é impossível pois há governos e organizações públicas com sucesso na implementação de projetos de governança.

O governo já perdeu um dos bondes da tecnologia – a prestação de serviços pelo celular, largamente utilizada pela iniciativa privada no Brasil, mesmo com nossas restrições de acesso. O bonde das mídias sociais está parado no ponto, e dá tempo de chegar. Vamos perdê-lo também?

Este texto foi publicado no site Convergência Digital (UOL), na seção Opinião.

LinkMaria Alexandra Cunha é professora da PUC-Paraná e consultora associada da BRISA. alexandra.cunha@pucpr.br
Solon Lemos Pinto é Vice-Presidente da BRISA
solon.pinto@brisa.org.com